terça-feira, 5 de junho de 2012

A dor

A dor pede silêncio. Quando a dor aponta, o corpo quer dizer: "ouça-me!". A dor é um sinal do organismo para diminuir a marcha, o ritmo, preferir a quietude e o silêncio e observar. Mas encaramos a dor como uma inconveniencia de que é preciso se libertar. Tomamos um analgésico e levamos a vida, até que a dor se torna um grito do corpo que nos leva ao pronto-socorro.
Há alguns dias venho sentindo uma dor no lado direito do abdomen, no alto. Fica ali pelas costelas, às vezes aparecendo nas costas. Fui ao médico, mas voltei sem atendimento, pela indisposição de esperar tantas horas. Tenho uma idéia do que é, desde o momento em que cemeçou. Chuto ser a vesícula. Mas dizem, e eu chego a acreditar, que nenhum dos males do corpo é apenas do corpo. O corpo apenas reflete, avisa, alerta sobre os males que vêm de dentro.
Popularmente os males do fígado são relacionados à amargura da vida. Os resmungões, reclamões, ingratos, chatos de galocha, infelizes carregam algum problema no fígado. Dostoievski em seu Memórias do subsolo, coloca nos lábios do narrador as palavras: "Eu sou um homem doente... Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creioque tenho uma doença do fígado". 
E a dor então me fez parar, quietar e fazer silêncio para ouvir quais são os males internos, os males primeiros, os males reais. Há remédios e médicos, tratamentos que aliviam a dor e nos livram de alguma pedrinha calcificada. Mas as dores voltam se ainda há amargura. O fim é sempre uma tentativa do corpo de se fazer ouvir, mesmo que repetidas vezes com as mesmas palavras. E a linguagem é clara, e está aí, nós é que não sabemos ouvir.